Você sabia que o termo “meme” foi inventado por um biólogo evolucionista?
Pois é! Deixe-me lhe contar melhor esta história, mas antes vamos saber um pouco mais sobre Clinton Richard Dawkins, um dos cientistas mais respeitados da atualidade (e polêmico também!) Nascido na cidade de Nairóbi, no Quênia, em 26 de março de 1941, Richard era fascinado, assim como seus pais, pelas ciências naturais. Apesar de ter recebido uma criação cristã, eles o incentivaram a ser curioso e as respostas das perguntas do pequeno eram sempre de cunho científico. Assim, o jovem Dawkins, ao se introduzir nos estudos da filogenia e evolução, concluiu que a teoria evolutiva é uma explicação melhor para a complexidade da vida e a partir de então deixou de acreditar em uma criação divina. Aos 21 anos se graduou em Zoologia no Balliol College, em Oxford. Durante sua graduação foi orientado pelo etólogo (estudioso da área de comportamento animal) ganhador do Prêmio Nobel, Nikolaas Tinbergen. Em sua pós-graduação continuou sob a supervisão de Tinbergen, na área de comportamento animal, onde sua pesquisa abrangia a tomada de decisões dos animais. Ele recebeu os graus de M.A (Master of Arts, que também se aplica às ciências naturais) e Ph.D. concluindo no ano de 1966 e continuando por mais um ano como assistente de pesquisa. Se tornou professor assistente na Califórnia, até voltar a Oxford, no ano de 1970 e assumir o cargo de professor. No mesmo ano ele se tornou fellow (membro acadêmico de alto nível) da universidade. Richard se aposentou em 2008, após anos de atuação na comunidade acadêmica, membro de diversas comissões e instituições renomadas como o Prêmio Michael Faraday, da Royal Society, e o British Academy Television Awards. Além de atuar como editor de conceituadas revistas científicas como a Free Inquiry, Skeptic e Enciclopédia da Evolução e claro, sua grandiosa contribuição à ciência e sua disseminação. Atualmente, ele é casado com a atriz Lalla Ward e tem uma filha, Juliet Emma Dawkins, de um casamento anterior.
Fotografia: Courtesy TEG Dainty; Fonte: broadsheet.com.au.
No ano de 1976, Richard ganhou destaque com a publicação de um de seus livros, “O Gene Egoísta”, onde ele apresenta a teoria da evolução das espécies, não pela perspectiva dos seres (organismos), mas sim pela perspectiva do gene. E foi aí que ele introduziu o termo meme, hoje muito utilizados diariamente por nós e pelo mundo todo, mas talvez não da mesma maneira como ele introduziu: para Dawkins, meme seria "uma unidade de transmissão cultural, ou de imitação", ou seja, tudo aquilo que se transmite através da repetição, como hábitos e costumes dentro de uma determinada cultura. Na internet, principalmente nas redes sociais, o conceito de meme passa a ser uma "unidade" propagada ou transmitida através da repetição e imitação, de usuário para usuário ou de grupo para grupo, ou seja, compartilhando! A palavra ‘meme’ é um trocadilho entre “mimesis”, que significa “mimetismo” em grego e “gene”, assim assimilando uma unidade de informação cultural, que viraliza (termo também vindo da biologia) à unidade de informação genética. O livro tornou-se viral porque Dawkins conseguiu transmitir ao público leigo, de maneira didática e informal, que o gene e não o indivíduo ou o grupo, é a unidade mínima da seleção natural. De acordo com Dawkins, os organismos vivos (plantas, animais, nós, etc) são apenas "máquinas de sobrevivência" criadas pelos genes com o objetivo de se replicar e perpetuar sua existência. Ou seja, quando uma onça sobrevive por causa de sua pelagem camuflada, seus músculos de contração rápida ou sua mandíbula forte, não é a onça em si que é selecionada, e sim o gene ou os conjuntos de genes responsáveis por cada uma dessas características. Com diversos exemplos, Richard mostra no livro como os genes definem características físicas, como também influenciam na forma como os seres vivos interagem com o ambiente. Dawkins fala de o gene ser egoísta pois este faz tudo o que pode para preservar sua existência e replicar. Entretanto, através de ótimos exemplos ele explica que o altruísmo presente em diferentes espécies não é algo contraditório ao gene, mas sim, existe para benefício deste.
Mas como o meme se tornou o que é hoje? O conceito contemporâneo de meme nasceu no final da década de 1990, quando um internauta criou a página (blog) Memepool ("piscina de memes"), que compilava links e outros conteúdos compartilhados pelos usuários. Então no final dos anos 2000, outros criadores realizavam "experimentos" com conteúdos publicados na web e essas iniciativas culminaram em um "festival de virais", onde a maioria dos participantes se baseava no conceito de Dawkins para remeter a algo que se propagava pela rede.
Um meme sobre a criação do termo, utilizando uma cena famosa do filme “De Volta Para o Futuro”. Imagem: https://br.ifunny.co/
Richard Dawkins é defensor da Teoria da Evolução de Charles Darwin, quase mais darwinista que o próprio. Também é um crítico do criacionismo, ateu convicto e vice-presidente da Associação Humanista Britânica e defensor do Movimento Bright, que foi criado em 2003 com a intenção de cunhar um termo positivo para pessoas com visão de mundo naturalista. Alguns de seus livros foram dedicados a crítica ao criacionismo, como O Relojoeiro Cego, de 1986, no qual descreve processos evolutivos para contrapor à ideia de um criador sobrenatural. Também criou a Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência (RDFRS), cujo objetivo é promover a alfabetização científica e uma visão de mundo secular, de modo a valorizar o pensamento crítico e contra o fanatismo religioso como doutrina aos meios científicos. Entre as principais atividades da Fundação estão as pesquisas sobre a psicologia da crença e da religião, financiar programas de educação científica e divulgar e apoiar organizações de caridade seculares.
Em uma entrevista publicada no site The Biologist, Dawkins fala sobre algumas questões em torno de sua carreira, confira um trecho que selecionamos sobre este bate-papo com o jornalista Tom Ireland:
Como você se interessou pela ciência? “Preferi mergulhar nele. Meu pai foi educado em ciências e tinha um ponto de vista científico que eu acho que me inspirou. Eu mergulhei na corrente de biologia na escola e foi só quando cheguei à universidade que me interessei profunda e apaixonadamente. Sempre me interessei pelos aspectos mais filosóficos – nunca fui um menino naturalista para meu arrependimento.”
Como a tecnologia humana está influenciando a evolução?
“Está exercendo um enorme efeito sobre a ecologia do mundo. Os humanos dominam o mundo a tal ponto agora que as espécies de animais equipadas para explorar isso – gaivotas e pombos, por exemplo – estão aumentando em número sobre aquelas que não podem, mas também certamente estão evoluindo dentro desse nicho. A medicina que salva vidas obviamente deve mudar as pressões de seleção que atuam sobre os seres humanos que devem influenciar nossa evolução. Mas eu não diria que isso é uma coisa ruim. Sou a favor da medicina que salva vidas! [...]”
Você foi creditado com o uso do termo 'meme' como uma maneira de explicar como unidades de nossa cultura podem sobreviver e se espalhar entre os humanos de uma maneira darwiniana. Você acha que 'memética' é um campo científico válido?
“Eu mesmo não fiz novas pesquisas sobre isso, mas estou satisfeito que outros o tenham feito [..] Mas eu nunca visualizei isso como uma forma de entender a cultura humana. Originalmente, era apenas para enfatizar que qualquer coisa poderia estar sujeita à seleção darwiniana, não apenas genes – qualquer coisa em que você tenha informações auto-replicantes. Acho que está claro que os memes são informações auto-replicantes da mesma forma que os genes. Mas se isso dá origem a uma evolução interessante [da cultura], não tenho certeza.”
Ao longo de sua carreira, Richard Dawkins publicou ao todo 18 livros, além dos diversos artigos publicados e outras edições em revistas.
Aqui vai uma lista feita pela Online Book Recomendation dos 10 livros mais populares do autor:
1. The God Delusion (Deus, um delírio), de 2006; 2. The Selfish Gene (O Gene Egoista), de 1976; 3. The Magic of Reality (A Magia da Realidade), de 2011; 4. The Greatest Show on Earth (O Maior espetáculo da terra), de 2009; 5. The Blind Watchmaker (O Relojoeiro Cego) de 1986; 6. Outgrowing God (Superando Deus) de 2019; 7. The Ancestor’s Tale (No Brasil traduzido como "A Grande História da Evolução") de 2004; 8. Unweaving the Rainbow (Desvendando o Arco-Íris) de 1998; 9. An Appetite for Wonder (Fome de saber) de 2013; 10. Science in the Soul (A Ciência na alma) de 2017.
“A natureza não é cruel, apenas implacavelmente indiferente. Esta é uma das lições mais duras que os humanos têm de aprender.” -Richard Dawkins
Texto: Mariana G. Furquim;
Pesquisa: Diego G. Cavalheri;
Texto Instagram: Aline Freiria dos Reis;
Arte: Aline Freiria dos Reis.
Referências bibliográficas
UNSWORTH, A. VOAS, D. The Dawkins effect? Celebrity scientists, (non) religious publics and changed attitudes to evolution. Public Understanding of Science 2021, Vol. 30(4) 434–454.Disponível em:<https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0963662521989513>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
IRELAND, T. A Vida, o Universo e Tudo: Richard Dawkins. Royal Society of Biology, 1 Naoroji Street, Londres WC1X 0GB. Registered Charity No. 277981, Incorporated by Royal Charter. Disponível em:<https://www.rsb.org.uk/biologist-interviews/richard-dawkins>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
10 melhores livros de Richard Dawkins. Online Book Recomendation. Disponível em:<https://onlinebookrecommendations.com/richard-dawkins-books/>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
SANTANA, L. B ; NIGRO, C. B.; GOVEIA, F. G. Memes e Condenação do Ex-Presidente Lula: metodologia e análise de coleta de Imagens. Disponível em:<https://portalintercom.org.br/anais/sudeste2018/resumos/R63-1383-1.pdf>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
NOBLE, D. Neo-Darwinism, the Modern Synthesis and selfish genes: are they of use in physiology? J Physiol 589.5 (2011) pp 1007–1015. Disponível em:<https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1113/jphysiol.2010.201384>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
O que nós fazemos. Richard Dawkins Foundation for Reason and Science. Disponível em:<https://richarddawkins.net/aboutus/#>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
KLINGHOFFER, D. Richard Dawkins: uma biografia. Discovery Institute. 2009. Disponível em:<https://www.discovery.org/a/10291/>. Acesso em: 21 de julho de 2022.
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