“Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?
É do conhecimento geral que, com o progresso da ciência de nossos dias, esse tema adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização, tal como a conhecemos; não obstante, apesar de todo o empenho demonstrado, todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável fracasso.” Disse Albert Einstein, no ano de 1932, em uma troca de cartas com Sigmund Freud, onde conversaram sobre o porquê das guerras.
Quando há pessoas morrendo pela guerra e cidades inteiras sendo destruídas, nós tendemos a esquecer o meio ambiente natural. Isso é totalmente compreensível, mas é um tópico que não podemos mais ignorar.
As guerras são criadas por grandes poderosos, e quem sofre são os povos, os recursos naturais, as plantas e os animais.
Você já parou para pensar o quanto os conflitos armados impactam na natureza?
Qual será a reação dos animais com tanques de guerras e explosões acontecendo por todo lado? Se nós, que sabemos do que se trata, ficamos apavorados, imagina eles que não fazem a mínima ideia.
Infelizmente as guerras estão presentes em nossa história há muito tempo. Desde a antiguidade, os grandes poderes disputam por questões políticas, religiosas e ambientais, sendo esta considerada a principal causa dos conflitos armados. A ONU Meio Ambiente explica que só nos últimos 65 anos, 40% dos conflitos armados do mundo aconteceram por disputas dos recursos naturais, principalmente pelo poder de sua exploração.
Destruir os recursos ambientais, sejam eles naturais ou antropomorfizados, como as plantações e criações de animais de produção, é uma tática de guerra utilizada pelos exércitos antigos, utilizada até hoje para escassear os recursos das civilizações inimigas e tomar seu controle. Como na Roma Antiga, onde as fontes de água potável que abasteciam as cidades eram comumente envenenadas e causavam sérias consequências para os moradores.
Então como estes “ataques ambientais” servem para atingir diretamente e, principalmente a subsistência das populações, como fica a situação natureza nessa história?
Vamos imaginar que com a explosão de uma dinamite, o estrago já é grande, certo? Agora pensa no tamanho do estrago feito pela bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki em 1945, que tem a potência de 15 mil dinamites. Além de milhares de vidas humanas inocentes perdidas, toda a natureza foi impactada. Este foi um dos, senão o maior, atentado ao meio ambiente no Planeta. E mesmo que tenha sido feita a descontaminação desse local por meio de tecnologias, até os dias de hoje depois de 77 anos, ocorrem índices altíssimos de radioatividade no local e a natureza ainda não conseguiu se recuperar, além dos problemas de saúde que a bomba causou nos sobreviventes e seus descendentes.
Já que em meio a uma guerra, não existem regras, nem exceções para o meio ambiente natural, tudo é devastado. E são diversos os impactos ambientais que esses conflitos causam, como a poluição, tanto dos rios e bacias hídricas, quanto do solo e do ar. As florestas também sofrem com o intenso desmatamento de grandes regiões florestais e reservas protegidas. Um caso que vale a pena lembrar como exemplo é o da Guerra do Vietnã, que entre 1961 e 1971, os Estados Unidos utilizaram um herbicida desfolhante conhecido como “Agente Laranja”, no qual esse composto químico desfolhava as árvores, destruindo o dossel das florestas para expor as guerrilhas vietnamitas camufladas e sua proteção contra os inimigos americanos, o que afetou toda a cadeia ecológica do ambiente até os dias de hoje.
Aliás, em 1977, na 4º Convenção de Genebra, (quando aconteceu um conjunto de tratados internacionais, que asseguram direitos aos civis e soldados capturados em meio território inimigo, assinados entre os anos de 1864 e 1949), foi adicionado um protocolo sobre os atentados à natureza que os conflitos armados causaram no século XX que diz:
“Em qualquer conflito armado, o direito das partes envolvidas em escolher os métodos ou meios de guerra não é ilimitado” e que “é proibido empregar métodos ou meios de guerra que causem, ou tenham expectativas de causar, vasto, longo e severo dano ao meio ambiente natural”. Assim definido para que os impactos fossem amenizados.
Mas será que, mesmo no século XXI, as pautas ambientais entre guerras estão sendo levadas em conta? Como será que está a questão ambiental na Ucrânia, por exemplo?
Está péssima, se quer saber!
Os conflitos na Ucrânia vêm acontecendo desde 2014 e desde então, os impactos causados por esses conflitos são considerados uma ameaça à preservação natural do país.
A poluição causada por armamentos e explosões, já atingiu mais de 500 mil hectares da região e causou a devastação de pelo menos 80 mil hectares de reservas naturais, protegidas. Sendo que, apenas no primeiro ano de conflito, 479 hectares da vegetação foram devastados, de forma irreversível. Imagina como está agora, 7 anos depois e que foi invadida e os conflitos pioraram?
Os incêndios em sua extensão, que podem ser propositais ou às vezes fruto da combustão das armas, já atingiram 150 mil hectares do país. É muita coisa, não? Assusta, ainda mais se pararmos para pensar que, em apenas um ou dois meses, um incêndio florestal pode emitir tanto carbono quanto todos os carros e caminhões de um estado inteiro durante um ano inteiro!
Donbass, a principal localidade de conflito com a Rússia, é uma região do Leste da Ucrânia, ocupada pela bacia do Rio Don, riquíssima em reservas de carvão. É também a região mais industrializada da Ucrânia, o que é preocupante pois a destruição das indústrias aumentou muito a poluição, gerando uma grande quantidade de entulho e proporcionando a contaminação do solo e da água, com a perda pela contaminação, de pelo menos 35 poços artesianos da região, registrados até o momento.
Não obstante, as tragédias ambientais não param por aí: foram provocados incêndios gigantescos em dutos de gás e óleo, que lançaram na atmosfera produtos carcinogênicos e que acabaram atingindo estações de esgoto na região, liberando coliformes fecais nos rios, comprometendo a saúde da água e dos consumidores, inclusive até para a produção de alimentos. A ONU lançou recentemente um alerta de risco à preservação natural da Ucrânia, de que Donbass está à beira de uma catástrofe ecológica, um colapso ambiental.
Agora, voltando à questão dos animais, como eles estão em meio a tudo isso e todos os conflitos armados que ocorrem?
Eles são grandes vítimas dos conflitos armados no mundo todo, que sofrem com o ônus da destruição de seus habitats, da sua casa. Além da devastação em massa de suas populações, como vítimas da caça desenfreada, praticadas tanto pelos combatentes, quanto pelos civis para sobreviver, muitas vezes os conflitos ocorrem em zonas onde espécies são protegidas por leis ou em áreas de proteção, afetando a fauna de forma direta e indireta, como pode ocorrer em minas terrestres, cercas, explosão de bombas, testes militares e submarinos. Os efeitos econômicos causados pela crise das guerras, também pode causar um aumento no tráfico de animais silvestres e peças, partes valiosas desses animais, como por exemplo o marfim dos elefantes, assim como a extração ilegal de madeira e outros materiais para subsidiar práticas militares e a exploração de recursos naturais que afetam também diretamente à fauna local.
O trecho da carta de Einstein citado no começo do texto é de uma conversa que ele teve com Freud, à convite da Liga das Nações e do seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual de Paris, de que convidasse uma pessoa de sua própria escolha, para um franco intercâmbio de pontos de vista sobre algum problema que ele poderia selecionar. Einstein então, falando agora não como físico mas sim como antropólogo, levantou o problema sobre o porquê de existirem as guerras, com a frase citada no começo deste texto: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?”
Se existe, ainda não é fato, nós desconhecemos. Porém, precisamos urgentemente defender a preservação do meio ambiente e interromper de uma vez por todas as devastações dos recursos naturais cometidos pelos conflitos sociais.
As Nações Unidas apontam que precisamos urgentemente de um novo conjunto de leis para lidar com a destruição ambiental durante os tempos de guerra. Foi na Conferência Eco 92, realizada pela ONU Meio Ambiente, no Rio de Janeiro em 1992 que ressaltou nos princípios 24 e 25 da convenção:
“a guerra é por definição, contrária ao desenvolvimento sustentável, os estados devem por conseguinte respeitar o direito internacional aplicável a proteção do meio ambiente em tempos de conflito armado e cooperar para o seu desenvolvimento quando necessário. A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis”, pois ainda não existem leis específicas que protejam os recursos naturais das guerras e conflitos armados.
E com a finalidade de instruir os cidadãos sobre segurança ambiental e a construção da paz sustentável em meio a conflitos socioambientais, a ONU Meio Ambiente se uniu ao Instituto de Lei Ambiental, ao Instituto da Terra da Universidade de Columbia, à Duke University e à Universidade da Califórnia em Irvine para desenvolver um curso online, oferecido na plataforma acadêmica dos ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável). São 7 horas de aulas em vídeos, 100 mil páginas de material e 225 estudos de caso de mais de 60 países em situação de pós-conflito. O curso é baseado nas experiências e lições aprendidas com mais de mil especialistas e dez agências da ONU.
Se você se interessou pelo curso e gostaria de mais informações de como participar, Acesse o link: courses.sdgacademy.org.
Por fim, é importante entendermos que os conflitos armados arriscam a integridade da biodiversidade do nosso planeta e tendem a colapsar estratégias de gestão ambiental de um país, abrindo espaço para que recursos sejam explorados de forma descontrolada, pondo em risco as civilizações e os recursos ambientais, bem como os animais silvestres.
Assim, enquanto as grandes potências gastam uma quantidade imensurável em armamentos, que chega a US$ 2 trilhões ao ano, a humanidade clama por condições básicas para sua sobrevivência, como alimentação, saneamento básico, preservação e conservação ambiental, ao mesmo tempo que o Planeta Terra afunda em uma crise climática e ecológica, para qual se aponta com falta de recursos em um constante definhamento ambiental.
Ao final da carta de Freud, em resposta à Einstein, ele conclui que, assim como as guerras estão incubidas em nosso cerne, o desejo de acabar com elas também está:
“E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.”
Caso você tenha interesse em ler na íntegra qual a opinião de Albert Einstein e Sigmund Freud sobre o porquê da guerra e sua relação com a natureza, elas se encontram no link abaixo, bem como nas referências bibliográficas desta matéria.
[https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1033690/mod_resource/content/1/Aula%2B026%2B-%2BFreud%2B%2BEinstein.pdf]
Arte: Natália Lavínia A. de Souza;
Texto: Mariana G. Furquim;
Pesquisa: Aline Freiria dos Reis; Natália Lavínia A. de Souza;
Texto Instagram: Aline Freiria dos Reis.
Referências bibliográficas:
Biodiversidade deve ser protegida dos efeitos da guerra e do conflito armado. Desenvolvimento Sustentável. UNEP. 2018. Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/story/biodiversidade-deve-ser-protegida-dos-efeitos-da-guerra-e-do-conflito>.
BOCUHY, C. Impactos sociais e ambientais da guerra. Le Monde Diplomatique Brasil. Acervo online. 2022. Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/impactos-sociais-e-ambientais-da-guerra/>.
DUDLEY, J. P., GINSBERG, J. R., PLUMPTRE, A. J., HART, J. A. & CAMPOS, L. C. Effects of war and civil strife on wildlife and wildlife habitats\nEfectos de la Guerra y Conflictos Civiles Sobre la Vida Silvestre y Sus Hábitats. Conserv. Biol. 16, 319–329 (2002).Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41598-020-71501-0>.
EINSTEIN, A.; FREUD, S. Por que a Guerra?. Indagações entre Einstein e Freud (cartas). Caputh junto a Potsdam & Viena. 1932. Acesso em: 07 de abril de 2022. Disponível em: <https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1033690/mod_resource/content/1/Aula%2B026%2B-%2BFreud%2B%2BEinstein.pdf>.
ENGEL, M.; PONT, A. C.; BRANDÃO, A. P. D.; MARTINS, C. S. G.; SCHULZ, F.; TORO-OROZCO, W. D. Quando os animais também são vítimas das guerras. ((o))eco. Associação O Eco. 2022. Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <https://oeco.org.br/colunas/quando-os-animais-sao-vitimas-das-guerras/#:~:text=Os%20conflitos%20armados%20afetam%20a,e%20externa)%20e%20na%20economia>.
PAZ, P. Estudo da UFPB revela que guerras civis podem dizimar ou recuperar populações de animais silvestres. Universidade Federal Da Paraíba-UFPB. GWEB. 2020. Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <http://plone.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/estudo-da-ufpb-revela-que-guerras-civis-podem-dizimar-ou-recuperar-populacoes-de-animais-silvestres>.
TRABAZO, C. Meio ambiente é uma das principais vítimas de guerras e conflitos armados. Diplomacia Civil. Instituto Global Attitude. 2018. Acesso em: 03 de abril de 2022. Disponível em: <http://diplomaciacivil.org.br/meio-ambiente-e-uma-das-principais-vitimas-de-guerras-e-conflitos-armados/>.
Commenti